XXII ENCONTRO NACIONAL DA EPFCL-BRASIL
As paixões do ser: amor, ódio e ignorância
Convidada: Ana Laura Prates
04, 05 e 06 de novembro de 2022 – Curitiba – PR
Prelúdio XVII
Pelos caminhos das paixões do ser
Sandra Monica del Rio
“Desde que me cansei de procurar,
aprendi a encontrar;
Desde que o vento começou a soprar-me na face,
velejo com todos os ventos.”
(Friedrich Nietzsche)
No momento do convite para escrever este prelúdio, me encontrava comovida por um acontecimento recente na Argentina: a tentativa de assassinato da vice-presidenta com uma arma de fogo apontada para a sua cabeça, enquanto ela autografava livros e cumprimentava apoiadores. Por motivos ainda desconhecidos e talvez até enigmáticos, a arma falhou.
De um lado da população, os que acreditaram no fato e o interpretaram como ameaça política. São os que saíram a manifestar seu repúdio, apoio e solidariedade, caminhando lado a lado, embandeirando as ruas das cores azul e branco, fluindo tão pacífico quanto bravio pode ser “a-mar”. Do outro lado, os que desacreditaram do fato e o tacharam de circo. São os que ficaram disparando mensagens cheias de ódio pelas redes, se agrupando nesse espaço virtual, agredindo, sem querer saber de nada além de odiar.
No meio, ficou se abrindo, de modo cada vez mais visível, a fissura social promovida pelas políticas de segregação e injustiça social, comandadas pelo ódio e a ignorância.
Pelos caminhos abertos por Freud, sabemos do inconsciente, da subjetividade, do sujeito dividido. Na clínica, no caso a caso, dentro da regra da associação livre, o paciente fala do seu mal-estar, sofrimentos, sonhos, fala sem saber da verdade que traz nas suas palavras, sem saber o que deseja.
Em seus seminários e escritos, Lacan traz algumas contribuições da filosofia. No Seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud, no marco do conceito da transferência, Lacan inclui a ignorância para situar com o amor e o ódio as três paixões fundamentais do ser, como “pontos de junção, pontos de ruptura, cristas que se situam entre os diferentes domínios em que se estende a relação inter-humana, o real, o simbólico, o imaginário.” (LACAN, 1953-54, p. 314). Não está falando da realização do ser, senão das vias de realização, situando o sujeito na dimensão da ignorância, por ele se engajar na pesquisa da verdade.
O paciente em abertura para a transferência procura saber do seu sofrimento, dirigindo-se ao analista. “A posição do analista deve ser a de uma ignorantia docta, o que não quer dizer sabia, mas formal, e que pode ser para o sujeito, formadora” (LACAN, 1953-54, p. 317). O sujeito caminha com o analista nas vias de acesso a um saber.
Em relação ao analista também convém considerar a ignorância. Não se deve desconhecer o que Lacan considerou como poder de acesso ao ser da dimensão da ignorância, uma vez que o analista responde àquele que o interroga nessa dimensão.
Voltando ao fato do ataque público antes mencionado, não se consegue alcançar o caráter traumático dessa situação concreta vivenciada pelo sujeito. Há muitas dimensões em jogo. Essa arma de fogo, apontando para a cabeça da mulher/vice-presidenta de uma república, pode evocar o real da angústia, para além da governante. Não foi apenas uma ameaça a sua vida! Foi também um ataque contra um posicionamento político, uma tentativa fracassada de aniquilar as ideias, matando quem as representa.
Evoco a carta publicada em “Por que a guerra?”, na qual Freud (1933) responde a Einstein a respeito do grave problema da guerra, apresentando uma dualidade pulsional em sua teoria das pulsões: a pulsão de vida, que tende a preservar e a unir; e a pulsão de morte, que responde pela destruição. Se o desejo de aderir à guerra é efeito de Thanatos (pulsão de morte), a recomendação mais evidente será contrapor o seu antagonista, Eros (pulsão de vida). Tudo o que favorece o estreitamento dos vínculos de amor entre os homens tende a atuar contra a guerra. A psicanálise não tem motivo por que se envergonhar, se nesse ponto falar de amor…
E mais adiante: “Penso que a principal razão por que nos rebelamos contra a guerra é que não podemos fazer outra coisa. Somos pacifistas” (FREUD, 1933[1932], p. 198). “E quanto tempo teremos de esperar até que o restante da humanidade também se torne pacifista? Não há como dizê-lo. Por quais caminhos ou por que atalhos isto se realizará, não podemos adivinhar. Mas uma coisa podemos dizer: tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra” (FREUD, 1933[1932], p. 198). E nós psicanalistas, o que podemos fazer? Continuar fazendo a psicanálise existir, trilhando novos caminhos. “Abram também seus ouvidos às canções populares, aos maravilhosos diálogos das ruas. Neles vocês recolherão o estilo através do qual o humano se revela no homem e o sentido da linguagem sem o qual vocês nunca libertarão a fala” (LACAN, 1953, p. 152).
Precisamos continuar nos ocupando do que não anda bem.
E o que não anda bem é o Real.
Referências
LACAN, J. (1953). “Discurso de Roma”. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
LACAN, J. (1953-54). O Seminário, livro 1: “Os escritos técnicos de Freud”. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1996.
FREUD, S. (1933[1932]) “Por qué la guerra?” (Einstein y Freud). In: Obras Completas – Tomo 22 – Amorrortu Editores
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