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XXII ENCONTRO NACIONAL DA EPFCL-BRASIL
As paixões do ser: amor, ódio e ignorância
Convidada: Ana Laura Prates
04, 05 e 06 de novembro de 2022 – Curitiba – PR


Prelúdio IV
A política a comando do ignoródio
Antonio Quinet

Com o assassinato, ao mesmo tempo real e emblemático, de Genivaldo Jesus dos Santos, em Sergipe, pela Polícia Rodoviária Federal, numa viatura de polícia, transformando-a num porão de tortura da ditadura militar e numa câmara de gás nazista, chegamos ao cume do terrorismo de Estado comandado pela política de morte. Soma-se a isso a chacina nas comunidades pobres do Rio de Janeiro, como a de Jacarezinho, há um ano, e, recentemente a da Vila Cruzeiro. Sem contar, os mais de 600 mil mortos pela COVID-19, cuja pandemia parece ter caído como uma luva para o projeto fascista do governo atual de destruição da saúde pública, assim como da educação e do bem-estar social.

Estarrecidos, temos assistido vídeos do curso Alfocom, preparatório para o concurso de polícia (divulgados pelo TV 247, Plantão Brasil e outros) que mostram, nas aulas online, métodos de coação, tortura e assassinato, deixando claro que a técnica da morte por asfixia a gás foi ensinada. Será, então, que não se trata de um caso isolado, e sim de um projeto em curso de extermínio programado por uma política do tipo “purificação” da raça branca, da classe média e alta que tem ódio de preto, pobre e, também de mulheres, homossexuais, transsexuais, pessoas com alguma dita deficiência etc.?

O ódio de classe é uma paixão. Terrível e devastadora, ela está impregnada em nossa sociedade escravocrata e racista que, até hoje, é dividida em castas, em que há seres humanos que se julgam de uma raça superior a outros por causa de seu pertencimento de classe ou até mesmo por se identificarem com uma classe mais alta que almejam e fingem pertencer. Há um nome para isso: aporofobia. É um neologismo proposto pela filósofa espanhola Adela Cortina, que o define como: “aversão ao pobre”, “sistemática rejeição à pobreza e às pessoas sem recursos” (Aporofobia: a aversão ao pobre, um desafio para a democracia, Editora Contracorrente, S.P. 2020). A aporofobia – hostilidade, repugnância, rejeição ou ódio – para com os pobres, está intimamente associada, aqui no Brasil, ao racismo, outra paixão nacional.

Aporofobia e racismo são produtos da política comandada pelo ignoródio. A política do mais-de-gozar desvelada pela psicanálise (cf. QUINET, A. A política do psicanalista, Atos e Divãs Edições) nos indica que esses sintomas da civilização derivam do fato de situar o outro (o pobre, o negro, o índio) como um abjeto, um objeto causa de abjeção e horror, objeto causa de ódio, ou melhor dizendo, objeto mais-de-gozar de ódio. O outro aqui é visto não como um semelhante, e sim como dessemelhante, não sendo digno de espelhar o aporofóbico racista como um igual, dificultando, assim, a relação empática imaginária. E, tampouco, é visto como um sujeito com seus desejos, sofrimentos, história, família, descendentes e ascendentes. Não tem, portanto, valor simbólico, nem direito à fala que humaniza. O outro é situado no lugar de mais-de-ódio.

Essa modalidade de ódio é vinculada a outra paixão: a ignorância, que se evidencia na ignorância da alteridade, ou seja, na sua negação, e, também na ignorância da diferença. Se o outro não é igual a mim, não quero nem saber, desconheço sua diferença. Em sua radicalidade da foraclusão do outro e sua associação com a paixão do ódio, a ignorância se expressaria assim: Não considero que exista nada diferente de mim e, para varrer da face da terra esses vagabundos que odeio, vou eliminar qualquer forma anômala que, porventura, apareça.

O gozo da crueldade para com as vítimas (“favelados”, “desdentados”, “vagabundos” etc.), tanto por parte dos policiais professores de tortura no cursinho, como dos policiais alunos que serão os futuros guardiões da ordem pública, é concomitante à aviltação dos sujeitos tidos por infratores para, ao dessubjetivá-los, reduzirem-nos a objetos de gozo de sua pulsão de morte até o extermínio.

Será que o fundamento da aporofobia está no horror à pobreza? Ao prender, torturar e até matar o pobre, aquele que quer ser rico estaria tentando eliminar a ameaça da pobreza? Estaria expurgando-a para garantir seu lugar ao sol ao colocar o outro na cova? Até quando essa paixão vai preponderar no discurso do Outro que herdamos e nos estrutura como sociedade? Não podemos pensá-la fora do discurso capitalista e neoliberal que produz, cada vez mais, pobreza e, portanto, mais indivíduos a serem abjetalizados. E, também considerar segundo a interpretação de Achilles Mbembe: “A percepção do Outro como um atentado contra a minha vida, como uma ameaça mortal ou perigo absoluto, cuja eliminação biofísica reforçaria meu potencial de vida e segurança” (Necropolítica, N-1 Edições, S.P., 2016, p. 19-20).

Não podemos deixar de destacar a permissividade e, até mesmo, o estímulo do discurso oficial, liberando ou autorizando (e, assim, transformando em imperativo: goze!) os policiais a satisfazerem seu gozo sádico nos sacos de pancada humanos em que se transformou parte da população do nosso país. Já ultrapassamos muito o limiar do mal-estar na civilização, parece que estamos no horror, bem para além da angústia, do que seria esperado daquela que um dia chamamos de civilização. Seria esse um dos aspectos da “subjetividade de nossa época” a que estamos hoje submetidos? Eis matéria para reflexão em nosso Encontro Nacional sobre as paixões humanas.

Rio de Janeiro, 29 de maio de 2022.

Coordenação local:
Cléa Ballão
Cláudia Leone
Cláudia Valente
Fernanda Histher
Glauco Machado (coordenador)
Nadir Lara Júnior
Robson Mello
Thamy Soavinsky

Comissão Científica:
Adriana Grosman
Bárbara Guatimosim
Felipe Grillo
Ida Freitas
Leila Equi
Terezinha Saffi
Glauco Machado
Sonia Alberti (coordenadora)

Equipe de Prelúdios:
Gloria Sadala
Zilda Machado

Coordenação Nacional: CG da EPFCL-Brasil:
Robson Mello – diretor
Julie Travassos – secretária
Juliana Costa – tesoureira

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