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XXII ENCONTRO NACIONAL DA EPFCL-BRASIL
As paixões do ser: amor, ódio e ignorância
Convidada: Ana Laura Prates
04, 05 e 06 de novembro de 2022 – Curitiba – PR


Prelúdio XIII
A psicanálise sobreviverá…
M. Luisa Rodriguez

É na junção do real e do simbólico que se situa a ignorância, conforme Lacan desenvolve em O Seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud. Situada entre o real e o simbólico, a paixão pela ignorância se refere à relação entre o sujeito e o saber, e nos cabe interrogar: de que saber se trata em relação ao suposto saber do discurso da ciência? Se para o psicanalista a paixão pela ignorância se refere ao que Lacan vai referir como douta ignorância, que opera a serviço do saber que pode ser construído em uma análise, de forma oposta, ela pode operar a partir do discurso da ciência, na direção do que Antonio Quinet denominou o ignoródio.

Lacan apontou, de forma quase profética, a intensificação dos processos de segregação como uma tendência crescente na contemporaneidade. Ele chegou a prever que o nazismo não era um acidente no caminho do processo civilizatório, mas deveria ser visto como o precursor de um processo desencadeado pelo remanejamento dos grupos sociais pela ciência, que faria com que “nosso futuro de mercados comuns encontrasse seu equilíbrio na extensão, cada vez mais dura, dos processos de segregação” (Lacan, 1968, p. 29).

O fascismo foi fortemente influenciado pelo eugenismo, criado por Francis Galton, um primo de Charles Darwin, que, a partir da descoberta da seleção natural, propôs a seleção artificial para o aprimoramento da população humana. Galton foi o inventor da psicometria, e introduziu a aplicação de estatísticas para o estudo da inteligência e outros estudos antropométricos, que tiveram notável influência no campo da psicologia, vindo a constar em suas grades curriculares nas universidades.

Os eugenistas pretendiam aprimorar a raça humana através da educação higiênica e sanitária, a seleção de imigrantes, a educação sexual, o controle matrimonial e da reprodução humana e outras ações que visavam os temas da miscigenação, branqueamento e a regeneração racial.

Parece que estamos falando de coisas que aconteceram na Alemanha nazista, mas não só. Contrariando o mito de democracia racial no Brasil, tivemos um importante movimento eugenista por aqui.  Para as elites brasileiras, a eugenia era um símbolo de modernidade, uma ferramenta científica capaz de colocar o Brasil no trilho do progresso.

O movimento eugenista brasileiro manteve forte relação com campanhas sanitárias e educacionais, tendo, entre os principais entusiastas, figuras prestigiadas da nossa intelectualidade, como Miguel Couto,  Heitor Carrilho e Monteiro Lobato, entre outros. Defendendo propostas de esterilização e segregação, o movimento eugênico brasileiro se dividia entre a negação do valor da miscigenação para a melhoria da raça e a proposta de branqueamento da raça através dela. Num ou no outro caso, se tratava sempre do controle dos corpos para fins de interesse do estado. É impressionante constatar como, travestido de conhecimento científico, o ignoródio, conforme a expressão criada por Antonio Quinet para falar da junção das paixões do ser do ódio e da ignorância, pode servir para sustentar as políticas de segregação e violência do fascismo.

As práticas de segregação e violência sempre estiveram entre nós e recrudescem de tempos em tempos. Atualmente, assistimos a ascensão no Brasil de um projeto político autoritário, segregador e violento que foi instituído a partir de 2016, na onda do avanço do cinismo neo-liberal em todo o mundo. Ele tem como forte aliado o crescimento assustador do fundamentalismo religioso, em todas as classes sociais, com suas propostas de ascetismo, abstinências, e prescrições de todo tipo, impondo um rígido controle dos comportamentos sociais e da vida privada. E hoje assistimos estarrecidos as tentativas de apropriação da área psi por esse discurso religioso, a serviço do discurso capitalista.

Desde a década de 1990, temos travado um esforço no sentido de demarcar nossa diferença e discordância em relação aos graves desvios da formação psicanalítica oferecida por grupos vinculados às igrejas evangélicas que têm se apropriado do significante psicanálise a fim de utilizar de forma isolada e restritiva alguns conceitos e práticas do nosso campo como mais um instrumento de controle, dominação e ampliação de seu campo de influência. Esforço este que nos levou à criação da Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras, inclusive para barrar uma tentativa de regulamentação da profissão de Psicanalista pelo Estado.

Em entrevista realizada recentemente em Buenos Aires, Colette Soler afirmou que a psicanálise é a herdeira dos direitos humanos, pois o discurso do analista é incompatível com qualquer forma de totalitarismo. Mas a política da psicanálise é a que construímos a partir da nossa prática clínica, a política do sintoma, que aponta para o que há de mais singular em cada sujeito, o gozo, que não sendo coletivizável, no entanto, pode fazer laço. É a política do bem dizer que implica a defesa intransigente dos direitos, situando-se politicamente contra os discursos que fazem obstáculo ao que é mais próprio de cada um, à sua forma de gozar.

Lacan prevê que a religião triunfará no mundo e que a Psicanálise, sobreviverá ou não! E que isso depende dos psicanalistas. Precisamos nos assegurar de que ela sobreviva! É com essa disposição que nos lançamos ao trabalho e convidamos a todos para o nosso XXII Encontro Nacional da EPFCL Brasil.

 

 

Coordenação local:
Cléa Ballão
Cláudia Leone
Cláudia Valente
Fernanda Histher
Glauco Machado (coordenador)
Nadir Lara Júnior
Robson Mello
Thamy Soavinsky

Comissão Científica:
Adriana Grosman
Bárbara Guatimosim
Felipe Grillo
Ida Freitas
Leila Equi
Terezinha Saffi
Glauco Machado
Sonia Alberti (coordenadora)

Equipe de Prelúdios:
Gloria Sadala
Zilda Machado

Coordenação Nacional: CG da EPFCL-Brasil:
Robson Mello – diretor
Julie Travassos – secretária
Juliana Costa – tesoureira

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