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XX Encontro Nacional da EPFCL – BR

Prelúdio XVI
O corpo entre o desejo e o gozo
Bárbara Guatimosim

“Wo Es war, soll Ich werden”, Freud, mais, ainda

A primeira experiência do corpo surge do desconforto contrastado por um gozo inesperado, de uma satisfação que imediatamente se furta, um gozo perdido de algo que escapa. Essa falta irreparável relança o desejo sempre em déficit, insatisfeito, desejo condenado a buscar-se, forjando o sujeito como sujeito do desejo.

Entre a ânsia e o sofrimento, entre a falta e a devastação, entre o esperado e o obtido, entre o ser e o lançar-se, entre a causa e o gozo, o corpo equilibrista experimenta na vida a satisfação fugaz, sem a qual “o universo seria vão”[1] (alguém nega?) ou, no outro extremo, a desistência melancólica, corpo mortalmente ferido por não se ter tudo.

Se o corpo persiste, insiste entre o tesão e o seu sossego, um pede o outro e não há poder que não encontre seu limite, no limite do outro. Entre a satisfação alcançada e aquela do ideal inatingível, há o limite terceiro do real que impede a totalização. O desejo castrado, analiticamente orientado, termina por encontrar o gozo não-todo.

Juntamente com o significante, o corpo é a resistência material do sujeito evanescente: o corpo incita ao gozo e no outro pólo diz alto! ao gozo, mesmo que seja com sua morte. Não há corpo que não se implique e que não se afirme, mesmo que se apresente em desvalia, na invisibilidade, ou sustentando seu vazio…. as anorexias.

Não há corpo fora do corpus político, e se o sujeito se esquiva, o corpo confessa: onde isso só goza, submetido, despótico, ou seja, sintomático, o ser falante já era, sem voz, pois não podemos em rigor dizer que há sujeito do gozo.
Dos corpos dejetos, abjetos que foram isso, que ainda são isso, quantos sujeitos teriam sido, quantos ainda poderiam ser? Mesmo já sendo em parte, e por estrutura, cidadãos do exílio?

Imigrantes, professores, arteiros, poetas, mineiros…

A ética da psicanálise implica rigorosamente uma política do ato analítico: onde isso se dava, se deu, se dará, devo eu, sujeito, advir como diferença. Diferença que não rivaliza ou disputa, diferença não relativa, mas diferença incomparável, dita por Lacan, diferença absoluta. Cada um como singularidade. Todos como cada único.

Os consideráveis estragos do tempo presente, ainda que assustadores, não destoam de nossa milenar saga humana. Seria impensável a contingência de uma política que promova um imperativo ético de um tempo por vir? Seria impossível uma política que queira repensar deveras o processo civilizatório, além de apenas repetir que estamos todos no mesmo barco?… pois, se estamos, é estranho que tantos tripulantes se dediquem a afundá-lo, convictos de que o barco é do outro.

Diante disso, entregamos em aposta o poder aos impossíveis: quem sabe possa isso, tão sem lugar no corpus social, isso que, com tanta frequência, se isola como gozo em terríveis segregações (com as melhores intenções), fazer-se causa de um desejo que implique o coletivo? Quem sabe a ousadia seria tão somente retomar a ação específica, real presença do outro, da primeira experiência de satisfação[2], onde o gozo, ao perder-se como todo, oferece o resto que causa? Seria impossível fazer dessa oferta causa de uma comunidade ao tornar-se experiência de uma satisfação não de todo narcísica, de uma satisfação desejante e inédita a ponto de chamar-se entusiasmo?

[1] LACAN, Jacques. “Chama-se o Gozo, e é aquele cuja falta tornaria vão o universo”. Subversão do sujeito e dialética do Desejo, In Escritos, p. 834.

[2] “o desamparo inicial dos seres humanos é a fonte primordial de todos os motivos morais.” Freud, A experiência de satisfação, Projeto para uma psicologia Científica (1895), In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas de Sigmung Freud, V.I, p. 422.

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